terça-feira, março 11

A filosofia e o suicídio
O que disseram grandes pensadores sobre o ato de tirar a própria vida

ALBERT CAMUS
Para o autor de O Mito de Sísifo, o suicídio é a única questão filosófica essencial. Sua conclusão é que matar-se é negar a liberdade
Pelo menos desde a Grécia Antiga os grandes pensadores examinam o fenômeno do suicídio. Sócrates, condenado a cometer suicídio por um tribunal de Atenas, consolou seus seguidores dizendo não saber o que o esperava na morte, por isso não era possível dizer se sua sentença era uma desgraça ou uma benesse. Mas em um dos diálogos de Platão, Fedro, Sócrates condena o suicídio voluntário. Diz que não temos o direito de libertar a alma de um posto (o corpo) em que os deuses a colocaram. O pensador cristão Tomás de Aquino enumera três argumentos contra o suicídio: ele é contrário ao amor-próprio, um estado natural; é uma afronta à sociedade, da qual o indivíduo faz parte; e é uma afronta a Deus, que dá a vida e tem o direito de determinar quando ela termina.

No século XVI, o ensaísta francês Montaigne cita trechos de filósofos antigos que aprovam o suicídio. “Nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal.” A interpretação mais comum, porém, é que Montaigne ataca o medo da morte, que escraviza as pessoas, mas não chega a defender o suicídio.

São os iluministas do século XVIII que mudam o foco da questão. Ali nascia uma filosofia de valorização da liberdade, e vários pensadores, como o escocês David Hume, consideraram o suicídio uma opção individual. Na virada para o século XIX, o movimento romântico se apropria do tema. Um livro do alemão Johann von Goethe, sobre um jovem (Werther) que se mata ao concluir que jamais conquistaria seu amor, supostamente levou a uma onda de suicídios no país. A melancolia inaugurada na França pelo poeta Charles Baudelaire foi apelidada de “mal do século” e teria provocado, também, suicídios. O filósofo Arthur Schopenhauer comparou o suicídio, para alguém que sentia dor intensa, a acordar de um pesadelo.

Foi nessa época que surgiu uma nova visão. O trabalho de sociólogos como Émile Durkheim mostrou que a alienação e a falta de propósito ligadas à vida moderna incentivariam o suicídio. E o estabelecimento da psiquiatria como uma disciplina independente jogou luz em fenômenos como a melancolia, a histeria e a depressão. Cerca de 90% dos suicídios estão relacionados a problemas psiquiátricos, segundo alguns estudos. A partir daí, o suicídio passou a ser visto como fruto de uma condição psicológica e social, não mais como resultado da vontade livre de um indivíduo.

Mesmo entre os filósofos que dão ênfase ao individualismo, o suicídio ganhou forte oposição. O inglês John Stuart Mill, no século XIX, dizia que a condição essencial para a liberdade era a capacidade do indivíduo de fazer escolhas, e o suicídio acaba com a possibilidade de escolhas futuras. Já no século XX, o escritor existencialista Albert Camus tratou o suicídio como “o único tema filosófico realmente sério”, no livro O Mito de Sísifo. Sísifo é um personagem da mitologia grega condenado a levar uma pedra para o alto de um morro. Toda vez que ele chega ao cume, a pedra rola para baixo de novo, e ele deve recomeçar a tarefa do zero. Camus compara essa tarefa aos sofrimentos da vida. Mas sua interpretação inovadora é que a vida não é o cumprimento de um objetivo, e sim o processo. Sísifo, para Camus, não é um condenado infeliz. É um vitorioso, realizado na concentração de sua mente e no suor proveniente de seu esforço. Para Camus, o suicídio é a negação da liberdade.

David Cohen e Dagomir Marquezi

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