domingo, fevereiro 10

sábado, fevereiro 2

A consciência da morte...


Durante todo processo de socialização pelo qual passamos no decorrer da nossa vida, somos treinados para esquecer que vamos morrer. Esse esquecimento certamente alivia parte do nosso medo aprendido diante do desconhecido, mas também nos faz esquecer da natureza mágica da vida.
A negação social da morte é um traço particular da cultura judaíco-cristã e suas áreas de conquistas. Mas, felizmente não é universal.
Os povos pré-colombianos em geral, mas particularmente os antigos Toltecas fizeram da consciência da morte um dos valores básicos que regiam a vida, tanto na dimensão social como individual.
Na nossa sociedade atual temos o costume de termos “seguros de vida”, “planos de saúde”, pagar o custo do próprio enterro em parcelas, herdar propriedade ao morrer, e o susto que levamos ao sentir de perto a morte de um amigo ou parente, estes são alguns dos exemplos que mostram até que ponto fomos treinados para nos considerar imortais.
A maioria das religiões, vendem diferentes tipos de céus e ressurreições para transcendermos a morte, essa é uma tática fundamental no planejamento do esquecimento. Fazer donativos a igreja, é uma forma mais ou menos inconsciente de “comprar um lugar no céu”. Inclusive, se considerarmos religiões orientais como o hinduísmo. Podemos ver que, quando segmentos deste, como a Ioga, penetram no ocidente, a reencarnação acaba sendo um dos pontos mais atraentes para os consumidores ocidentais, ao passo que aspectos mais sutis, como o silêncio interior ou a prática de uma vida singela, mal são perceptíveis.
Geralmente, nos dispomos a pagar qualquer preço pelo engodo da imortalidade.
Ocorre que a morte é o mistério. E o desconhecido. E nos ensinaram a temer o mistério e a negar o desconhecido.
É difícil de acreditar, mas aprendemos a esquecer a única coisa que realmente é certa na vida: a morte.
No fundo é nosso ego quem teme a morte. Pois perante a morte, o ego fica reduzido ao que sempre foi: nada. Porque a morte não é a negação da vida mas a negação do ego. Já a vida se sustenta na morte. A vida de nossos corpos se nutre com a morte de animais e plantas, da mesma forma que estes se nutrem da nossa própria morte. Assim, uma vez que o ego e morte são anti-éticos, a consciência da morte representa um dos caminhos a levar-nos, em vida, para além da fronteira do ego.
Se o ego não tem como lidar com o fato da nossa mortalidade, nosso corpo como campo de energia conhece intrinsecamente seu destino. Nosso outro eu pode lidar diretamente com o mistério e interagir com o desconhecido, sem que a não-compreensão em nível racional o desencoraje. Assim, a consciência da morte é um dos acessos à Consciência de Ser: Somos seres luminosos; somos um campo de energia, não um ego.
Essa consciência intrínseca só pode ser recuperada fora do mundo das palavras. Trata-se de uma recordação do corpo, mais perto do sentimento do que da razão.
Justamente por ser a imortalidade um dos fazeres estruturalmente básicos do homem comum, seu não-fazer correspondente, a consciência da morte, é uma das técnicas fundamentais no caminho do guerreiro.
É que, por outro lado, sobre o fazer da imortalidade descasam também a maioria dos afazeres mais desgastantes do ego e de suas rotinas. A importância pessoal só é possível se nos sentimos imortais. Os fazeres mais comuns de um imortal se revelam como verdadeiras monstruosidades à luz da nossa mortalidade.
Exatamente por nos sentirmos imortais, nos damos ao luxo de adiar para um amanhã inexistente as decisões e ações que só hoje poderíamos realizar; reprimir nossos afetos, recusando-nos a expressá-los, esquecendo que o único tempo para tocar, acariciar e encontrar-se é um hoje, que de toda maneira será muito breve; não apreciar a beleza e aprender a ver tudo “feio”; defender nossa imagem; entregar-nos a sentimentos de ódio, rancor, ofensa e várias mesquinharias. Nos queixarmos, sermos impacientes, nos sentirmos derrotados etc.
Um mortal consciente não pode permitir-se tamanho desperdício de seu tempo único sobre a terra. Por isso um mortal consciente é um guerreiro, que faz de cada ato um desafio. O desafio de comer o tutano da vida a cada instante. O desafio de viver seu momento tão digna e impecavelmente como seu poder lhe permitir. Um mortal curte e saboreia o valor de cada momento precioso, porque sabe com plena certeza que a morte está à espreita e que seu encontro com ela chegará sem sombra de dúvidas.
Como a morte pode tocá-lo a qualquer momento, um guerreiro encontra-se morto de antemão e considera cada ato “seu último ato na terra” e consequentemente procura sempre dar o melhor de si.
Naturalmente, os atos de um ser que, à luz de sua morte iminente, está dando o melhor de si em cada um, têm um poder especial. Têm uma força e um sabor que nem se comparam às tediosas repetições de um mortal. É por isso que o guerreiro faz da sua consciência da morte a pedra de toque de todo o seu conhecimento e toda a sua luta. Assim, em lugar de apoiar-se nos valores vazios e abstratos de quem acredita que nunca vai morrer, ele se apoia na única coisa verdadeiramente certa que existe na vida: a morte.
Alcançar a consciência da morte não é tema de reflexão. Não é uma idéia na cabeça, mas um fenômeno de consciência corporal. A consciência da morte reside no lado esquerdo da consciência; é um dos aspectos da consciência do outro eu e só pode ser resgatada mediante a prática do não-fazer.
A técnica de usar a morte como conselheira é um dos não-fazeres que nós podemos utilizar para resgatar a consciência, além de permitir um enfoque de nossos assuntos do dia-a-dia a partir de uma perspectiva muito sóbria, eficiente e realista que a do homem comum.
A técnica é muito simples.
Quando você sentir que está se desgastando em alguma situação emocional, ou que está a ponto de desabar, lembre-se de sua morte.
Consiste em tirar um momento fora da dinâmica dos acontecimentos cotidianos para confrontar a situação em que nos encontramos com a morte iminente.
É especialmente útil em momentos de importância pessoal, através de alguma das suas modalidades, está se apossando de nossa pessoa e de nosso momento. Quando nos auto-compadecemos, quando sentimos que estamos perdendo algo muito valioso, quando nos sentimos ofendidos, quando sentimos rancor ou desejos de vingança, quando nos apegamos a algo que na verdade já perdemos, quando fomos mesquinhos e nos recusamos ao amor, quando tivemos medo ou timidez para agir como no fundo gostaríamos de agir. Em momentos como esses, há que se dispor de um instante para olhar nos olhos escuros da morte. Dispor de um instante para pedir-lhe conselho. Temos de conseguir o controle necessário para examinar esses assuntos à luz da própria morte, que espera, considerando a situação como se fosse nosso último ato antes de morrer. Até que a morte elimine a mesquinharia e o medo. Até que a morte coloque tudo em seu lugar, na dimensão justa. Então, poderemos ver que, perto da morte, mesmo as situações mais tremendas do mundo cotidiano são na verdade insignificante. Estamos vivos. O resto são ninharias.
Vida Plena!